
Atualmente, o desejo pela mulher madura é uma constante no imaginário masculino. No entanto, a sua representação e interpretação no cinema sofreram transformações radicais. Este desejo encontrou uma encarnação linguística no acrónimo M.I.L.F. (Mother I’d Like to Fuck). Trata-se de um termo que surgiu na linguagem quotidiana com uma conotação inicialmente provocatória ou humorística.
Neste artigo, analisamos a evolução da fantasia MILF no cinema. Traçaremos o seu percurso desde o arquétipo discreto e por vezes tabu da “dona de casa sexy” até à figura moderna, poderosa e assumida da “puma chefe”. Veremos como estas representações reflectem as mudanças sociais, a emancipação feminina e a redefinição das dinâmicas de género.
A era dos desejos reprimidos: a dona de casa sexy e o tabu
Entre os anos 50 e 70, na América do pós-guerra e no Ocidente, predominou o modelo da dona de casa e os papéis de género rígidos. Os papéis das mulheres eram claros: esperava-se que cuidassem essencialmente da casa e dos filhos.
Nessa altura, prevalecia uma forte repressão sexual e expectativas de conformidade, em que a expressão sexual da mulher casada era frequentemente um tabu. Neste clima sócio-cultural, o cinema tornou-se assim um reflexo e um escape para fantasias não reconhecidas.
Análise do arquétipo da “dona de casa sexy
A personagem da Sra. Robinson (em Le Lauréat, 1967) representa o arquétipo da dona de casa sedutora e atenta. Na verdade, é uma mulher casada de uma certa idade, desiludida e sarcástica. Exerce um feitiço sobre Benjamin Braddock, um homem muito mais jovem. É uma figura de proibição e sedução, mas também de frustração e melancolia. A relação entre eles, embora seja uma tentativa de preencher um vazio na vida dela, acaba por se revelar perigosa.
Em “O Paciente Inglês” (1996), a história de amor entre o protagonista e uma mulher mais velha e casada é um elemento-chave do enredo. A sua paixão clandestina e proibida é um exemplo de desejo subjacente.
Finalmente, em “Basic Instinct” (1992), o papel de Catherine Tramell encarna a femme fatale complexa e manipuladora que exerce uma atração magnética sobre os jovens. A sua inteligência, beleza e carisma reforçam o seu poder de sedução.
Caraterísticas da fantasia da época
Vários factores sustentavam a fantasia da MILF nos filmes da época. Em particular, o segredo, a transgressão e o proibido eram as principais forças motrizes. Para além disso, o desejo do jovem, muitas vezes unilateral, era tingido por uma espécie de fascínio pela experiência e pela maturidade.
Por outro lado, a sexualidade da mulher era mais sugerida do que explícita, deixando espaço para a imaginação. Assim, todos estes factores se conjugavam para fazer da dona de casa o alvo da cobiça de todos os jovens.
Descomplexificação e popularização: o surgimento da MILF assumida
A partir dos anos 80, a emancipação feminina e a revolução sexual conduziram a uma maior liberdade de expressão das mulheres. Esta evolução foi facilitada por mudanças nos códigos morais e pela aceitação gradual de várias formas de sexualidade.
Além disso, a ascensão da comédia adolescente tornou-se um veículo para a popularização de certas fantasias.
O fenómeno “Stifler’s Mom” e a democratização da fantasia
A personagem de Jeanine Stifler (American Pie, 1999) teve um impacto cultural significativo, popularizando o termo MILF e oferecendo uma representação humorística da sexualidade feminina. Com a sua auto-confiança, humor e sexualidade explícita e desinibida, levou a fantasia do reino do “tabu” para o da comédia popular. Desta forma, “Stifler’s Mum” teve uma influência notável na forma como a palavra “MILF” é percepcionada e utilizada na cultura popular.
Outros fenómenos, como “A mulher sedutora dos anos 90”, surgiram para dar maior impacto às MILFs. Figuras como Demi Moore em Harcèlement (1994), embora não fossem “MILFs” no sentido literal, encarnavam uma sexualidade feminina madura e poderosa. Mostram uma mulher a assumir a liderança, marcando a emergência de relações em que a mulher mais velha é um sujeito ativo de desejo e já não apenas um objeto.
Agora, a fantasia é caracterizada por menos culpa, mais humor e ironia. É claramente expressa e articulada, contribuindo para a libertação da discussão sobre a sexualidade da mulher madura. A verbalização das fantasias na mulher madura é uma ferramenta poderosa de libertação e capacitação. Oferece uma visão mais aberta e saudável da sexualidade feminina. Como resultado, a mulher madura é agora vista como capaz de se envolver e desfrutar plenamente da sua vida sexual.
O chefe puma: poder, independência e afirmação
No século XXI, tem-se assistido a um aumento da representação feminina em áreas de influência e de tomada de decisão, sejam elas profissionais ou políticas. Ao mesmo tempo, verifica-se uma crescente aceitação de casais em que o homem é mais novo ou em que existe uma grande diferença de idades. Daí o surgimento do termo “cougar” para descrever a mulher madura, independente e sexualmente proactiva com parceiros mais jovens.
Arquétipos e exemplos cinematográficos do “Puma Chefe
Várias obras cinematográficas contribuíram para reforçar esta imagem da mulher de poder e desejo. Actrizes como Julianne Moore, Diane Lane e Salma Hayek desempenharam papéis de mulheres realizadas, abraçando plenamente a sua sexualidade e a sua atração por homens mais jovens.
E séries televisivas icónicas como Grace and Frankie (Jane Fonda e Lily Tomlin) e Younger (Sutton Foster e Hilary Duff) apresentam mulheres maduras que navegam em relações complexas com homens mais jovens, de uma forma descomplicada e realista.
Caraterísticas da fantasia do “Puma Chefe” moderno
Atualmente, as mulheres mais velhas evoluíram de simples donas de casa para mulheres independentes e auto-suficientes. A MILF é agora uma mulher que controla a sua vida, as suas finanças e as suas escolhas, incluindo as sexuais. Além disso, ela não fica à espera de ser seduzida, ela seduz. Ela inicia as relações. A sua experiência, auto-confiança, sabedoria e beleza madura bem cuidada são realçadas. Assim, a fantasia é menos sobre “tabu” e mais sobre admirar a força e a segurança femininas.
Em suma, a fantasia MILF percorreu um longo caminho, da discrição à afirmação ousada. O cinema tem espelhado e impulsionado esta transformação, reflectindo as mudanças sociais e contribuindo para uma visão mais aberta e inclusiva da sexualidade feminina. Que novas representações poderão surgir? Continuará o cinema a ser um espaço de desconstrução de estereótipos de idade e género?